Por Sabrina Cabral

Neste artigo pretende-se analisar a teoria adotada pelo Código Penal Brasileiro para que uma conduta se configure crime, os elementos caracterizadores e a possibilidade de enquadramento do homeschooling como ilícito penal.

Homeschooling é Crime?

O conceito de crime se apresenta sob diversas vertentes, conceituações estas, fruto da Doutrina Penal Brasileira, quais sejam: material, formal e analítico.

De forma antecedente, cumpre informar que a concepção material verifica o ato praticado e, se configurado uma conduta ilícita, interessa a sociedade sob o prisma penal, tão somente. Isto ocorre, dentre outras coisas, em razão do princípio da mínima intervenção, que também será tratado logo mais.

Faça Parte da Comunidade EducalarSob o viés formal, preocupa-se com a existência de contrariedade entre a conduta do agente e o disposto na lei. Neste conceito ao contrário do material, pouco importa a dimensão do dano ou justificação para prática de uma determinada conduta.

Por fim, tem-se o conceito analítico, esse último, consagrado pela doutrina penal brasileira e aceito de forma majoritária, neste tipo, é feito uma análise a todos elementos que compõem a conduta, para que então, existindo a presença de todos eles, um fato jurídico possa ser considerado crime.

No que tange aos elementos, o Código Penal Brasileiro adotou a Teoria tripartida. Nesta teoria, os elementos constituidores de fato definido como crime são: Fato típico, Antijurídico e culpável. É importante ter em mente que a ausência de um dos elementos, descaracteriza o crime, ou seja, não existirá mais e consequentemente não poderá haver uma punição estatal.

Para que haja real compreensão, passemos a uma breve análise dos elementos:

FATO TÍPICO: Para que um fato seja considerado típico, é necessário que exista a) uma conduta (dolo ou culpa); b) Resultado; c) Nexo causal, ou seja, que exista uma relação entre a conduta praticada e o resultado produzido e d) tipicidade, que poderá ser formal ou material. A tipicidade formal incidirá com o mero enquadramento da conduta ao descrito na norma penal, enquanto na material verifica se houve lesão ou ameaça de lesão a algum bem tutelado pelo direito, como por exemplo, a vida, patrimônio, etc.

FATO ANTIJURÍDICO: Quanto ao fato antijurídico, como o próprio significado da palavra nos remete, diz respeito a contrariedade ao direito. Ocorre que, um fato deixará de ser ilícito mesmo que descrito em norma penal, se presente as excludentes de ilicitudes, são elas: a) estado de necessidade; b) legítima defesa; c) estrito cumprimento de dever legal; d) exercício regular de direito. Reitera-se, a falta de um dos três elementos faz com que inexista o crime, mesmo que presente os demais.

Um exemplo clássico para elucidar a compreensão a este elemento é a legítima defesa. Em que pese um indivíduo tenha praticado o crime de homicídio (artigo 121 do CP), por exemplo, veja, aqui está presente o fato tipo e tudo que ele engloba, mas se feito para repelir injusta agressão atual ou eminente, restará configurado o instituto da legítima defesa e por consequência afastará a ilicitude.

Sendo assim, ausente um elemento, mesmo que preenchido o anterior, bem como, sendo culpável (elemento que será analisado na sequência), não existirá crime.

CULPABILIDADE: No fato culpável, temos a) Imputabilidade; b) Potencial Consciência da Ilicitude; c) Exigibilidade de Conduta Diversa.

IMPUTABILIDADE: Refere-se a possibilidade de atribuir a alguém um fato penal, ficando a encargo do artigo 26 e 27 do Código Penal Brasileiro o rol dos que são inimputáveis, a título de exemplo, temos os menores de 18 anos, doentes mentais com desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Sendo o agente inimputável, excluirá a culpabilidade, logo não existirá crime.

POTENCIAL CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE: Determina que só incide culpabilidade ao agente que inserido em determinadas condições (sua realidade) tinha a plena possibilidade de entender que sua conduta ensejava um caráter criminoso. Isto é, se era impossível ou de extrema dificuldade a consciência de que incorria em conduta criminosa, haverá a exclusão da potencial consciência em razão do erro sobre a ilicitude do fato. De extrema importância ressaltar, que não se confunde com o desconhecimento da lei, alegação vedada pelo código penal, nos termos do artigo 21. Configurado erro sobre a ilicitude, afastará o elemento da culpabilidade e consequentemente, faltando um dos elementos, não existirá crime.

Para ter uma melhor compreensão, imagine a situação onde um rapaz de maior idade, conhece em uma “balada” uma pessoa do sexo feminino de aparência madura. Sem saber que a moça possuía 14 anos de idade, resolvem sair dali e praticou ato libidinoso. Contudo, em razão de uma denuncia de terceiro, o rapaz incorre em flagrante nos moldes do artigo 217 do CP (Estupro de vulnerável). Veja, devido a situação e local ao que o agente a conheceu, que dispensa formalidade, bem como a presunção de que as casas noturnas cumprem a lei, não era possível ter conhecimento da ilicitude de sua conduta.

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EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA: Atua na possibilidade de exigir uma conduta de diversa ao do fato praticado pelo agente. Isto implica em dizer que se submetido aquela situação fática, não fosse possível e não tivesse outras escolhas a sua disposição para praticar comportamento diverso daquele em que ocasionou em fato criminoso, poderá ser isento de responsabilização penal, desde que presente as causas legais de inexigibilidade conduta diversa (coação moral irresistível e a obediência hierárquica.)

Pois bem, superado essa fase conceitual que visou possibilitar uma maior compreensão de como se movimenta a legislação penal e os requisitos para que uma conduta incorra em responsabilidade criminal passível de punição pelo estado, façamos agora uma análise da possibilidade de tipificação do Homeschooling como crime no Brasil.

A fim de desvendar esta questão é indispensável discorrer sobre o princípio da intervenção mínima, base do direito penal Brasileiro, também conhecido como ultima ratio.

Qual influência dos princípios no mundo do direito? São tão importante quanto normas e regras! Isto implica dizer que toda ou qualquer norma a ser criada naquele âmbito, deverá respeitar os seus princípios norteadores.

Para que houvesse preservação aos interesses da Constituição Federal de 1988, fez-se necessário a instituição de uma mínima atuação do direito penal, objetivando respeito ao direito à vida e a liberdade, entre outras garantias fundamentais. Com isto, pode se entender que o direito penal é o último meio que deve ser acionado para intervir em determinados fatos sociais.

Para que algo passe a ser previsto como crime e em respeito ao supramencionado princípio, deverão ser postas à disposição dos indivíduos medidas civis ou administrativas, a fim de solucionar a tutela do bem jurídico violado. E ainda, esses outros ramos do direito deverão falhar para que então o direito penal possa atuar.

Portanto, não há que se falar em criminalização do homeschooling, uma vez que não fere preceitos constitucionais ou quaisquer outras leis do ordenamento jurídico. Ao contrário disto, esta modalidade de ensino auxilia a família a cumprir seu papel, desenhado pela própria Constituição Federal, conforme o que disciplina o 205 CF/88. Não bastasse, há longo histórico Constitucional da atuação da família no direito à Educação.

Posto que em 12 de setembro de 2018 houve julgamento pelo STF ao Recurso Extraordinário (RE) 888815 que discutia a possibilidade do homeschooling ser considerado lícito, e este não resultou em declaração de inconstitucionalidade da prática, não se revela sensato intitula-la como crime.

Texto: Sabrina Cabral – Voluntária Educalar.
Fonte Imagem: https://www.pexels.com/pt-br/foto/acaso-acidente-alerta-amarelo-923681/

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