Valores e função dos contos de fadas

Os contos podem contribuir muito para o mundo atual, tão desprovido de valores éticos. Os contos de fadas também refletem o que C S Lewis chamou de lei da natureza humana, que é a noção de certo e errado (Lewis C. S., 2005). Para Chesterton, “nada há de mais plausível e confiável que os contos de fadas”, um verdadeiro antídoto para o racionalismo. A moral desses contos é o senso comum, a decência. Eles têm conexão com a ciência e a teologia: o respeito pela natureza e a abertura para o mistério, o sobrenatural (Resende, 2009). George McDonald, autor que influenciou C S Lewis e Tolkien, também advoga que a principal função da imaginação é inquirir sobre o que Deus tem feito (Resende, 2009). Tanto J. R. R. Tolkien, C.S Lewis, Chesterton e McDonald concordam que a principal função dos contos de fadas é promover o crescimento da fé e da verdade na mente humana. “O conto de fadas é acusado de dar às crianças uma falsa impressão do mundo em que vivem. Na minha opinião, porém, nenhum outro tipo de literatura que as crianças poderiam ler daria a impressão tão verdadeira”. (Lewis C.S – Três maneiras de escrever para crianças). 

Para C.S Lewis, as histórias “realistas” são muito mais propensas a criar falsas expectativas que os contos. Ele explica que toda criança possui dois anseios: o real e o fantasioso. O real seria o desejo de ser popular entre os amigos (na escola por exemplo), ser o melhor aluno. O outro anseio é o de ser o espião que descobre a trama ou o caubói que consegue domar o cavalo. O primeiro anseio trata-se sempre de lisonjear o ego, imaginar-se objeto de admiração. Já no segundo anseio, “seria verdadeiro dizer que o país das fadas desperta no menino um anseio por algo que ele não sabe o que é. Comove-o, perturba-o (enriquecendo toda sua vida) com uma vaga sensação de algo que está além de seu alcance, e, longe de tornar insípido ou vazio o mundo exterior, acrescenta-lhe uma nova dimensão de profundidade. O menino não despreza as florestas de verdade por ter lido sobre florestas encantadas: a leitura torna todas as florestas de verdade um pouco encantadas” (Lewis C. S.Três maneiras de escrever para crianças).

Os contos de fadas alimentam nosso imaginário, nos levam a mundos nunca antes visitados. Tornam possível coisas impossíveis. Nos apresentam personagens excêntricos. Nos tiram um pouco do mundo racional e nos levam ao mundo sobrenatural. Além disso, transmitem valores éticos, nos fazem querer ser como o herói ou heroína da história. Se analisarmos os contos de fadas, chegaremos à conclusão de que muitos deles, de certa forma, lembram algumas histórias bíblicas. Na Bíblia encontramos gigantes, anjos, dragões, mar que se divide em dois, fornalha que não queima, entre tantas outras intervenções sobrenaturais de Deus.

Vivemos hoje num mundo permeado de imagens prontas, muitos estímulos visuais. Não precisamos mais exercitar nossa mente e imaginação. Recebemos tudo pronto das telas. Os contos, com suas fadas, duendes, dragões, gigantes exercitam a imaginação da criança e lhe dão a oportunidade de criar. Conforme a afirmação de George McDonald, podemos concluir que a fantasia presente nos contos preparam nossa mente e coração para viver de maneira sobrenatural nossa vida com Deus. Afinal a fé é a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos (Hb 11:1). Mas você pode se perguntar se é saudável expor as crianças a histórias com violência, mortes e traições. Porém não podemos tentar manter fora do conhecimento da criança o fato de que ela nasceu num mundo mal e caído. A própria Bíblia contém relatos sanguinários e cruéis. Devemos então privar nossas crianças da palavra de Deus? De maneira nenhuma!

Outra acusação atribuída aos contos de fadas é que estes podem despertar medos nas crianças. C. S. Lewis, em “Três Maneiras de Escrever para Crianças”, conta que ele próprio precisou lidar com medos exagerados na infância (fobias). Porém nenhum deles foi causado por histórias. Para ele, mesmo que a criança ficasse longe de qualquer história desse tipo, qualquer outra coisa poderia lhe acender essa fobia. E para aqueles que acham que deveriam manter as crianças alheias ao fato de terem nascido num mundo onde há morte, violência, ferimentos físicos, aventuras, heroísmo e covardia, bem e mal, C. S. Lewis afirma que esse tipo de atitude só dá às crianças falsa impressão e alimenta-as de escapismo. “Que venham os reis malvados e as decapitações, as batalhas e as masmorras, os gigantes e os dragões, e que os vilões morram todos, cabalmente, no final do livro. Nada me convencerá de que isso provoca numa criança normal um tipo ou grau de medo que esteja além do que ela quer e precisa sentir, pois é claro, ela quer sentir um pouquinho de medo. […] E parece-me possível que, se você só deixar que seu filho leia histórias inocentes sobre a vida infantil, em que nada de assustador jamais acontece, além de não conseguir eliminar os terrores, acabará por eliminar da vida dele tudo o que possa torná-los respeitáveis ou suportáveis.” (Lewis C.S – Três maneiras de escrever para crianças).

Nas palavras de Tolkien, “a fantasia é uma atividade natural humana. Ela certamente não destrói ou mesmo insulta a razão; e não torna menos aguçado o apetite pela verdade científica, nem obscurece a percepção dela” (Tolkien J. R., 2020). “A fantasia pode, é claro, ser levada ao excesso. Pode ser feita de modo errado. Pode ser posta a serviço de fins maus. Pode mesmo iludir as mentes das quais veio. Mas de que coisa humana neste mundo caído isso não é verdade? Os homens conceberam não apenas elfos, mas imaginaram deuses e os adoraram, adoraram mesmo aqueles mais deformados pelo próprio mal de seus autores. Mas eles fizeram falsos deuses com outros materiais: suas nações, suas bandeiras, seus dinheiros; até suas ciências e suas teorias sociais e econômicas já exigiram sacrifício humano. Abusus non tollit usum (o abuso não impede o uso). A fantasia continua a ser um direito humano; criamos, na nossa medida e ao nosso modo derivativo, porque fomos criados; e não apenas criados, mas criados à imagem e semelhança de um Criador” (Tolkien J. R., 2020).

Já as fábulas, por sua vez, já foram escritas num contexto em que o objetivo era justamente passar uma mensagem clara, uma lição de moral. Não é preciso aprofundar demais o tema para entender qual a mensagem da história. Apesar da fábula ter íntima ligação com os contos, e ambos poderem ser usados de forma educativa, os contos, por sua vez, tem também a função de nutrir esse imaginário, nos levar para fora de nosso mundo.

Esperamos que você esteja gostando desta série de artigos sobre contos de fadas! Deixe seus comentários, ficaremos felizes em conversar sobre este assunto com você. Em breve, traremos a parte 3.

————–

Texto: Monique Carvalho

Revisão do Texto: Bárbara Guinalz

Fonte Imagem: Pexels.com

Você deseja utilizar, compartilhar, copiar ou distribuir este artigo? Entenda como isso pode ser feito de maneira a respeitar os direitos  atribuídos a ele.

Creative Commons – [CC BY-NC-ND 4.0] – http://bit.ly/CCartigosEducalar