Por Sabrina Cabral
Conforme já explanado no artigo anterior, praticar o ensino na modalidade domiciliar não é crime. Contudo, mesmo diante da inexistência de lei que proíba ou regulamente a prática, algumas famílias têm tido que enfrentar processo judicial.
Então, diante do atual cenário legislativo é importante ter em mente que um eventual processo poderá ocorrer. Em grande medida, estes processos se dão em razão de denúncias de terceiros, sejam eles, vizinhos, parentes ou como na maioria das vezes, meros especuladores.
Ocorre que, no campo da especulação reside perigo, uma vez que o desconhecimento do homeschooling tem grande extensão, e como consequência padecem os pais.
Isto porque, em quase todos casos, este terceiro denunciante, não possui conhecimento algum desta modalidade de ensino, tão pouco da forma como se dá, dos valores da família praticante e principalmente, do melhor interesse para esta criança.
A educação é um direito individual indisponível (Direito que não se pode abrir mão, dispor, etc.). Partindo desta informação, você pode compreender, que mesmo a origem de um processo, por exemplo, ser esta abordada inicialmente, uma vez que o Ministério Público seja acionado, deverá enquanto órgão legitimado, exercer suas funções em acordo com o que disciplina o artigo 127 da Constituição de 1988.
Quais são as funções do Ministério Público? A ideia central deste órgão, conforme preceitua a Constituição Federal é a intervenção sempre que houver necessidade de defesa da ordem jurídica, regime democrático, interesses sociais e interesses individuais indisponíveis. De forma simples, deverá fiscalizar tudo aquilo que for de relevância pública e auxiliar enquanto guardião destes interesses.
PODER FAMILIAR, GUARDA OU TUTELA?
Antes de abordar os efeitos produzidos pelo processo judicial diante da prática do ensino domiciliar é muito importante diferenciar o conceito de Guarda, Tutela e Poder Familiar. São palavras conhecidas, mas que comumente são tratadas como sinônimo ou confundidas, quando na verdade, tratam-se de institutos jurídicos singulares, cada qual com sua finalidade. Vejamos:
PODER FAMILIAR: Disposto no artigo 21 do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8069/90, vem delinear a responsabilidade dos Pais (Homem e mulher, artigo 226 da CF/88) de prestar assistência financeira, moral e psíquica à criança e ao adolescente. São deveres cujo não há possibilidade de se eximir.
GUARDA: Prevista nos artigos 33 a 35 do ECA, está intrinsecamente relacionada ao poder familiar, a guarda é um dos direitos que integram este poder. É a atuação conjunta entre pai e mãe, só haverá uma individualização quando sobrevier extinção da sociedade conjugal (separação/divórcio).
A guarda, após dissolução conjugal, poderá ser compartilhada ou unilateral (1.583 a 1.590 do Código Civil) e havendo litígio quanto à guarda, nos moldes do Artigo 1.612 do CC, ficará com aquele que atender o melhor interesse da criança. Ocorre que, quando nenhum dos dois conseguir efetivar estes interesses ou desempenhar seu papel legal de maneira ineficaz, a guarda poderá ser concedida a outra pessoa.
A possibilidade de transferência da guarda à um terceiro, pode se dar em Juízo e sua previsão legal encontra-se no art. 1.584 § 5o. Não obstante, o juiz deverá dar preferência a um membro da família ou alguém que possua ótima afetividade com o menor.
TUTELA: Recebe amparo nos Art. 36 a 38 do ECA, diferente da guarda, neste instituto a responsabilidade legal quanto ao menor, só poderá ser outorgado a outra pessoa quando não houver mais poder familiar, seja em razão dos pais não mais existirem (falecimento de ambos) ou em decorrência da perda ou suspensão Familiar.
OS EFEITOS DO PROCESSO PELA PRÁTICA DO HOMESCHOOOLING E PERDA DO PODER FAMILIAR
Diante de tudo o que foi abordado até aqui, você já pode verificar algo: A importância da atuação dos pais na vida da criança e do adolescente.
O papel dos pais é de tamanha importância que o artigo 227 da CF/88 tratou de estabelecer como dever, em conjunto com o estado, dispõe o artigo que a família deve assegurar: “o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
A Constituição Federal objetivou instituir uma proteção especial, reforçando esta ideia, nos deparamos com artigo 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente que se posiciona no mesmo sentido, obriga a família, estado e sociedade, prioridade absoluta ao melhor interesse do menor de idade. O conteúdo destes artigos é tão sério que se houver descumprimento destes deveres, poderá sim, ocorrer a perda do poder familiar.
Pratica o ensino domiciliar? Pensa em praticar? Em ambos os casos, o medo é o mesmo, ser processado. Como já mencionado ao início, sim, você pode ser processado. Mas, o mesmo ocorre com qualquer outra família que desrespeite o conjunto de direitos e deveres instituídos pela Constituição. Como dito anteriormente, os pais são tão responsáveis na efetivação do direito à educação, quanto o estado.
Nestas horas de medo, uma auto-análise poderá lhe ajudar muito. Agora que você já sabe seu dever legal, questione-se: Você vem auxiliando o cumprimento do disposto no artigo 227 da CF c/c 7o do ECA, enquanto pai e mãe? Sua conduta visa sempre o que é considerado “o melhor”, em todos aspectos, para seu filho?
Se você conseguiu responder “sim” a estas duas perguntas, já possui parte importante do necessário para enfrentar um processo Judicial.
SUSPENSÃO OU PERDA DO PODER FAMILIAR
Conforme disciplina o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), para que ocorra determinação de suspensão ou perda do poder familiar, inicialmente acontecerá uma provocação ao Ministério Público, feita por um terceiro ou parte interessado. Esta provocação deve se dar por petição inicial.
Iniciado o processo e recebida a denúncia pelo Juiz, este citará aos pais para que produzam defesa, sendo que o prazo para apresentação desta defesa é de 10 dias (úteis).
Diante disto, é importante a contratação de um advogado. Caso você não possua neste momento condições de custear honorários, não se desespere, existem meios gratuitos para obter acesso à justiça.
O QUE É IMPORTANTE VOCÊ SABER APÓS INICIADO O PROCESSO?
Se o juiz responsável pelo processo, verificar que exista um bom motivo, aqui leia-se algo extremamente grave, ele irá proferir uma decisão liminar que possivelmente ocasionará a suspensão do poder familiar até que haja uma sentença.
Se isto ocorrer, a criança ou adolescente ficará sob o poder (temporário, até a sentença) de outra pessoa, lembre-se, a preferência é de alguém com grau de parentesco e que possua afeto pelo menor. Inexistindo, possivelmente irá para uma casa de acolhimento, situação cabível apenas em extremos.
Durante o processo, haverá um estudo social, bem como, ocorrerá uma perícia feita por profissionais capacitados para tanto. Encerrada a fase instrutória do processo, o juiz tem o prazo máximo de 120 dias para proferir a sentença. A sentença poderá resultar em perda ou suspensão.
Em caso de suspensão, os pais ficarão impedidos de exercer algumas funções, que serão especificadas pelo Juiz na sentença, dependerá do caso concreto e daquilo que o juiz achar pertinente naquela situação (Artigo 1.637 do Código Civil). A suspensão também pode acontecer em razão de condenação penal, cuja pena seja superior a dois anos de prisão.
Por fim, sobre a sentença que determine a perda do poder familiar, só poderá ocorrer nos moldes do 1.638 do Código Civil, ou seja, diante das hipóteses de “castigo imoderado ao filho, o abandono, a prática de atos contrários à moral e aos bons costumes e o fato de um genitor ou ambos reincidirem reiteradamente nas faltas previstas no artigo 1.637”.
Diante de todo o exposto, Lembre-se de algo, o homeschooling, genuíno, atende ao direito Constitucional à Educação. Ou seja, perda de guarda não existe se você tem feito o que se propôs a fazer de forma responsável.
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Texto: Sabrina Cabral – Voluntária Educalar.
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Creative Commons – [CC BY-NC-ND 4.0] – http://bit.ly/CCartigosEducalar
Obrigada pelo artigo esclarecedor!
Verdade.
Excelente artigo! Fiquei mais tranquila. Sabemos de toda a responsabilidade que temos, mas em relação a nossos filhos, primeiro perante nosso Deus e depois perante a sociedade e aos órgãos competentes. Diante de tudo isso vamos continuar educando nossos filhos e zelando por eles, fazendo um trabalho responsável.
Verdade.
Abriu meus olhos sobre vários aspectos do processo, serviu para afastar o medo de estar fazendo algo de errado. Tenho convicção que o homeschooling é o melhor modelo educacional para os meus filhos.
Obrigada pelas informações!
Informação sempre é um excelente caminho.
Que esses esclarecimentos cheguem não só para as famílias que optaram pelo ensino domiciliar, mas para todos que ainda têm profundo desconhecimento sobre esta modalidade de ensino.
Muito obrigada por esses artigos esclarecedores, tanto este quanto o anterior.
Uma das “acusações” que recebemos dos próprios amigos e parentes é de que estamos fazendo algo ilícito ao escolher educar nossas filhas em casa. Sabemos que tomamos essa decisão pensando no bem delas. Mas é muito ruim ser visto pelos outros como um fora da lei.
Este texto esclarece grande parte das perguntas da maioria dos pais. Obrigada pela explicação
Artigo esclarecedor para todos que têm interesse em saber mais a respeito do homeschooling. Define as responsabilidades familiares para quem opta por esta prática educacional, mostrando que quando efetivamente praticada não há como haver abandono intelectual, nem falta de socialização, que é que muitos alegam contra o homeschooling. Obrigada Educalar por nos fornecer tais informações!